18 outubro 2007

CAMINHO PORTUGUÊS DE SANTAGO

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---O texto que se segue reporta-se à viagem de oito amigos/colegas de trabalho, que em três dias se propuseram pedalar cerca de 250km, pelo caminho português de Santiago (central), com partida da Sé do Porto, na quarta-feira, dia 12 de Setembro, com destino à Catedral de Santiago, na Praça do Obradoiro.

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Para esta aventura ímpar nas nossas vidas, apenas o Carlos Valente se informou daquilo que os esperava, tratando da logística e das credenciais de peregrino, tão importantes para quem deseja ver reconhecido, no final, o seu esforço. Refira-se que esta credencial, é um documento que nos identifica como Peregrinos e deve ser carimbada ao longo de todo o caminho, nos Albergues, Igrejas, Polícia, entidades administrativas ou estabelecimentos comerciais, etc, de forma a comprovar a passagem pelos vários locais.

Seguem-se os aspirantes a peregrinos:
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Carlos Valente
Vítor Silva
Jorge Almeida
José Gouveia
João Leite
Mário Almeida
Luís
Jorge
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1.º dia – etapa do Porto a Ponte de Lima

---Pelas 08h00 (ou quase, porque alguns - os atrasados - começaram a pedalada a partir de suas casas, Gondomar e Vila Nova de Gaia), lá nos encontramos no terreiro da Sé, onde tiramos as primeiras fotos de família junto do falso pelourinho (ali colocado em 1940, pela Câmara, durante a remodelação do terreiro da Sé. O genuíno pelourinho foi construído no tempo de D. Manuel I, em consequência do foral dado à cidade em 20 de Junho de 1517, e foi colocado na Ribeira, bem perto da forca que ali esteve erguida também, durante vários anos, tendo sido destruído no séc. XVIII), antes de seguirmos o nosso destino.


---Apesar da excitação que todos sentimos pelo início da jornada, fez-se um pequeno desvio para coisas de última hora e, volvidos alguns instantes, lá arrancamos.
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---Tínhamos um objectivo definido:

encontrar as setas amarelas pintadas nos locais mais insólitos (muros, postes de iluminação, no chão, em árvores, muros de casas, tabuletas de sinalização e muitos outros sítios) como se de uma caça ao tesouro se tratasse e estivéssemos a seguir as pistas que nos levassem ao destino.

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---Deste modo, os primeiros quilómetros tiveram como objectivo quase primordial habituar os olhos às tão faladas setas. Sendo um percurso urbano, conhecido por todos e com tráfego intenso, com sinalização luminosa e outros perigos daí inerentes, não houve vontade de parar para tirar fotografias.

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Nas Guardeiras - Maia, apesar da atenção que levamos na procura das marcas, lá passamos o cruzamento certo, sem encontrar a seta, obrigando-nos a pedalar alguns quilómetros de “borla” (até encontrarmos o caminho) e a reforço alimentar.

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---Pelas 09h45, fizemos a primeira paragem na Junta de Freguesia de Vilar do Pinheiro – Vila do Conde, para estrear as nossas credenciais de peregrinos.


---Com o passar dos quilómetros, deixamos para trás os centros urbanos e passamos circular por pequenas localidades, até que chegamos à ponte de D. Zameiro, sobre o rio Ave, na freguesia de Bagunte – Vila do Conde (com 8 arcos, julga-se ter sido construída no ano de 912), digna de uma paragem para uma foto, sendo de lamentar a poluição do rio.



---Neste local, devido ao restauro que a ponte foi alvo, havia indicação de um caminho alternativo, mas o Valente Compostela, na qualidade de organizador, quis seguir o caminho que tinha delineado.


--- A opção foi a votos… e ganhou o alternativo!

---Apesar do alternativo, os primeiros metros seguiram por um trilho em terra, o que nos trouxe outra alegria, mas que foi sol de pouca dura, pois lá voltamos ao paralelo, agora entre muros de extensas propriedades agrícolas, que nos levaram à freguesia da Junqueira, pelas 10h45, com 35km, e 2h50 a pedalar.


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---Ali, alguns de nós aproveitaram para agasalhar o estômago com um paio à maneira, no “Café da Neta”.



---Enquanto isso, outros aproveitavam para dar azo à primeira partida, escondendo a bicla do Vítor num campo de milho.



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---Eis um dos autores da brincadeira (João Paulo), apanhado em flagrante delito!

---A animação era tanta, que, na brincadeira, o Jorge Almeida partiu os óculos, ficando assim com o novo “look”, mais “fashion”…


---Lá seguimos destino com o trajecto a manter o seu encanto, por mais alguns quilómetros, correndo entre campos e bouças até Arcos, passando o rio numa belíssima ponte medieval ainda de origem romana, onde voltamos a parar para mais umas fotografias e mais uma pergunta do organizador a um habitante, para sentir que estava no bom caminho com o seu rebanho.

---Uns metros mais à frente, o Valente obrigou à paragem do grupo, para voltar a elucidar alguns aceleras qual o verdadeiro objectivo do passeio, tendo sido aproveitado de imediato para umas brincadeiras abichanadas.


---Depois destes “carinhos” que terão tocado o coração do Vítor Silva, propôs que nos tratássemos de uma forma mais íntima, provando que esta aventura seria inesquecível. .


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Assim o grupo passou a ser constituído pelo Litos (Carlos Valente), Vitinha (Vítor Silva), Gigantones (Jorge Almeida) , Zé (José Gouveia), Paulinho (João Leite), Marito (Mário Almeida) o Jorge e o Luís.
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---Aos 41km e com 3h50m de pedalada, chegamos a S. Pedro de Rates, localidade digna de uma paragem obrigatória no caminho do peregrino, devido ao templo monástico do século XI e para apreciar a magnífica igreja de um extinto convento.
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Aqui, a paragem foi demorada, para visita à igreja, ao albergue, para colocar a escrita do diário de bordo “em dia” e para carimbar a credencial, que se revelou de difícil tarefa, pois o carimbo, segundo a Junta da Freguesia local, estava na residência do presidente. No entanto, e por indicações da esposa do alcaide, deveríamos carimba-las num mini-mercado, por ser mais bonito, o que de facto se confirmou como sendo a chancela mais interessante de todas as que viríamos a obter.







---Quando nos preparávamos para seguir caminho, eis que surge a primeiro avaria: um furo na bike do Gigantones, que deu trabalho, já que só depois de se ter utilizado quatro bombas, é que se verificou que a câmara de ar, que supostamente seria nova, estava furada…
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---Assim que saímos da vila, entramos numa parte interessante, de verdadeiro BTT (cerca de 4km), por trilho em terra, que passava por campos agrícolas mas com predominância de floresta, com muito pó e muitas, muitas pedras soltas, que não tardaram em fazer estragos: um furo, um pneu rasgado e uma jante danificada (mavic SL!!!!) .













---Enquanto os “mecânicos” tratavam das avarias outros aproveitavam para outras coisas.
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---Pelo caminho, fomo-nos cruzando com vários caminheiros, na sua maioria estrangeiros, tendo por isso gravado um desses momentos: um peregrino inglês, que tinha saído de Lisboa há 15 dias e tinha mais 10 dias pela frente para caminhar até chegar a Santiago.







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---Com o avançar da hora, alguém pensou em comer e entramos num restaurante, uns quilómetros antes de Barcelos, mas o Vitinha, queria comer numa esplanada e num sítio que conseguisse controlar as bicicletas, mesmo estando presas por um cadeado e tanto chateou a cabeça aos restantes que acabaram por seguir destino.

---Chegamos a Barcelinhos às 14h00, cheios de vitalidade e com fome, mas ainda tivemos de tirar fotos na ponte gótica sobre o Cávado (construída em 1328, com 5 arcos desiguais), que faz a ligação a Barcelos.



---De seguida, e dada a proximidade dos bombeiros, fomos carimbar os “passaportes”, pedindo indicações para almoçar bem e barato.

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---Devido à amabilidade do “segundo” (forma como foi tratado o responsável pelos bombeiros), fomos guiados por uma ambulância até ao local do pasto.


---Graças ao profissional (Luís), que foi a pressionar o condutor da ambulância para andar mais depressa, acabamos por fazer uma espécie de contra-relógio até a mesa, ao fim de 58km. .


---A expectativa pelo restaurante era grande, mas devido ao adiantado da hora, não pudemos almoçar na esplanada. No entanto, as máquinas sempre ficaram mais seguras.


---O único senão foi empregado espetar-nos a faca e acabamos com a mesa cheia de comida, pois uma dose dava para duas pessoas. Enfim, foi uma refeição diferente do que estava planeado e acabamos por levar frango assado para o cão…


---Pelas 15H45, abandonamos o restaurante em direcção à “Rodribike 2”, para reparar a jante da “Scott”.



---Por incrível que pareça, a máquina topo de gama e talvez forrada a um metal precioso (ouro), foi a primeira a ceder perante as primeiras dificuldades do terreno.



---Em consequência disso, perdemos cerca de uma hora, o que foi de imediato aproveitado por alguns para “dormir à sombra da bananeira”.
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Depois de uma paragem tão prolongada e de um repasto, este descanso caiu que nem ginja, mas depois tivemos de forçar os músculos para acelerar o ritmo, porque as horas estavam a passar.
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Saindo da cidade (17h20-69km,) atravessamos a linha do comboio e entramos logo num caminho de terra até voltar a estrada e sempre a subir. Acabamos por parar por breves instantes numa esplanada para descansar e refrescar, pois estava um dia de sol com uma temperatura agradável.
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Em Balugães, atravessamos o rio Neiva, na Ponte das Tábuas, sem conseguir travar os impulsos banhistas do Vitinho e do Marito.


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Mas, como se ia fazendo tarde, não deu para desfrutar do rio quanto mais esperar para a roupa secar, isto porque estavam três jovens a fazer praia (caso contrário, nada melhor que um banhinho todo nu).









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Mais uns quilómetros percorridos e outra paragem para lanchar, num tasco manhoso, mas as localidades eram tão pequenas que não havia mais alternativas.

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---Mal seguimos destino, pelas 19H15, e novo azar, desta vez mais grave, pois partiu-se a corrente e o desviador da frente da bicla do Litos, azar este solucionado pelo Jorge (mecânico), deixando-a em single speed, ou seja, só com uma velocidade. Foram de imediato efectuados telefonemas para o Porto e para Braga, para ser providenciado a entrega do desviador na cidade de Ponte de Lima.

---Acham que os azares acabaram? Também nós, mas ainda deu para presenciar duas quedas seguidas do Gigantones, e para cima das silvas! O nosso amigo Gigantones queria monopolizar o diário do capitão Kirk e então lá voltou a ter mais um furo, que deu para remediar sem substituir o pneu.

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---A seguir foi “sempre a abrir” até chegar a Ponte de Lima, pelas 20h30, que se encontrava em festa e devidamente iluminada, ao contrário das nossas bicicletas.




---Aí, já nós esperavam os nossos amigos Zé Lopes e António Mendes, na tarefa de logística e ainda as esposas do Paulinho e do Luís, que vieram entregar o desviador e ver os seus meninos.
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O dia ficou completo com o jantar e com as conversas a ser monopolizadas por mais um empate da selecção nacional de futebol, desta vez contra a Sérvia e o facto mais interessante: a suposta agressão do Scolari a um jogador sérvio.

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Assim acabou o primeiro dia, que se revelou alegre e de descoberta de várias sensações e do caminho português com passagem pelo interior das belas aldeias minhotas, veredas, florestas, campos de cultivo e muito, muito milho, ramadas com as uvas pendendo sobre os nossos capacetes, calçadas, pequenos cursos de água, pontes antigas, enfim, encantos do nosso país.



99km - 11h34m (tempo percurso) - 05h41m (pedalar) - média 17,83km/h

2.º dia - PONTE DE LIMA A PONVEDRA



84,70km - 08h52m (tempo percurso) - 05h04m (pedalar) - 16,86kh/h

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---Depois de uma noite mal dormida e um pequeno-almoço aceitável na pensão, iniciamos mais uma jornada, agora sem a presença do nosso amigo sempre animado Marito, que por essa hora já devia ir a caminho de Praga.



---Saímos da pensão pelas 09h00 e quinhentos metros depois já estávamos metidos no meio da lama. .



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---Ainda mal tínhamos aquecido e os problemas teimavam em continuar: o Litos, que ainda seguia em single-speed, já que não foi possível montar o desviador, quis complicar ainda mais a tarefa, partindo o encaixe da sapatilha, ficando com o pé preso no patim.

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---Desta feita, e como já vínhamos escaldados da perda de tempo por causa das avarias, deixamos os trilhos no mato e seguimos pela estrada nacional a partir da localidade de S. Bento da Porta Aberta (Paredes de Coura), onde foi feito o primeiro reabastecimento líquido e o necessário carimbo.

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---Daqui para a frente, até entrar em Valença, como era sempre a descer, era ver quem levantava vôo “sem dar aos pedais”, tal era a velocidade. Nesta técnica, o Dr. Zé, com o seu corpo aerodinâmico (o mais pesado) levou a melhor ou então foi da GT (que devia ter gasolina de 100 octanas).
---Ainda bem que não era TDI, caso contrário, tinha sido fotografado pelo radar da GNR, em excesso de velocidade.No final da longa descida, lá se encontrou um garageiro que montou o desviador na bicla do Litos “Compostela”.
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---Entrada no centro histórico de Valença, pelas 11h00, com 23km percorridos.


---Tentamos encontrar uma loja de bicicletas para o Litos comprar uns sapatos novos, mas a única que existia estava fechada.




---No interior da fortaleza, o Vitinho fez birra, pois queria comer uma sande quente e lá acabamos por ser chulados na esplanada principal, ao lado dos turistas espanhóis, mas as sandes caíram bem juntamente com as cervejinhas.










---Uma hora e tal depois lá conseguimos atravessar a ponte internacional Valença/Tui e, pela primeira vez, atravessamos a fronteira em veículo de duas rodas, movidos pela força das nossas pernas.





---Espanha: 12h15, com 27km e mais uma ida a uma loja de bicicletas, mas sem sapatos adequados para os encaixes do Litos.


---Seguimos então para a Catedral Fortaleza de Santa Maria de Tui, situada no ponto mais alto da cidade, acessível por uma rampa assustadora, por entre o casario, a que nenhum de nós cedeu.



---Agora já não seguíamos as tradicionais setas amarelas, mas uma vieira amarela, uma espécie de concha, num azulejo de fundo azul, posicionada de acordo com o sentido da marcha a seguir, colocada em marcos de pedra com a distância quilométrica em falta até à Catedral de Santiago ou, noutros casos, apenas o mesmo azulejo colado em paredes e muros, especialmente nas cidades.



---O tempo apenas deu para o carimbo e para as tradicionais fotos frente à entrada da Catedral e siga para bingo, ou, neste caso, para Pontevedra.

---Os quilómetros seguintes foram percorridos entre estrada e trilho de terra, mas a paisagem natural perdeu um pouco a beleza, comparado com as paisagens do Minho.


---Depois de um mau começo, eis que entramos num belo parque que nos levou a Ponte das Febres, devidamente coberta com um tapete de madeira que a protege do desgaste, onde o Vitokourov não perdeu tempo, tomando mais um banhinho.

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---Reza a lenda que, neste local, S. Telmo, em peregrinação a Santiago de Compostela, terá ficado enfermo, com febres que o obrigaram a regressar, tendo mesmo falecido pouco tempo depois. Isto só para acrescentar um pouco de história a este relato…


---A próxima localidade foi Porrino, onde passamos sempre a abrir. Só o Jorge, no meio da correria, descobriu o monumento monolítico dedicado ao peregrino, o marco milenário romano da via militar XIX Braga – Astorga e o relógio de sol.



---O grupo ia num ritmo tão alucinante, que nem uma rampa de 300 metros com inclinação acima de 15% os assustou. Era vê-los a “sprintar” rampa acima em direcção ao prémio de montanha. Sem surpresas, o prémio foi para o PRO Luís Armstrong, logo seguido do Vitokourov e do doutor, que também sobe bem, dando a ideia que a vantagem não é da GT, mas dos treinos tri-diários.


---Em Redondela, estivemos à espera que a sesta dos espanhóis terminasse, para abrirem as lojas (tienda) pelas 17h00, para repara uma avaria numa bike e para o Litos comprar uns sapatos. Enquanto alguns esperavam, outros estiveram a encher as ventas de cerveja num tasco onde fomos bem recebidos e servidos numa esplanada debaixo de uma vinha.


---Depois de tanto tempo parados, lá voltou a custar pegar nas “bikes” e foi necessário perguntar pelo caminho, porque a concha estava escondida.

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---Antes da descida para a localidade de Pontesampayo, que se faz por um estradão de terra batida, era possível ver, a poente, a ria de Vigo e, apesar de ser mais um cenário de fundo magnifico para uma fotografia, já íamos outra vez tão atrasados, que só paramos na ponte (74km-19h30), pelo que… nada de foto!









Depois, seguimos por uma subida de alcatrão com inclinação acentuada, mas engraçada: passava por uma ruela estreita, com casas de ambos os lados, e desembocou num “single-track” em pedra, tipo calçada romana, obrigando a desmontar das biclas.









E assim continuamos por mais dois vales rodeados de mato, até chegar a Pontevedera, pelas 20h25, com 84km e 5h00 a pedalar.


---Fizemos uma paragem no primeiro tasco com esplanada para mais uma cervejinha, desconhecendo que a pensão ficava após a curva seguinte.
---Assim que chegamos, lá estavam os nossos amigos Zé Lopes e Mendes à nossa
espera na esplanada em frente da pensão, que, por sinal, era muito fraquinha.
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Depois da distribuição dos quartos, do banhinho e do estacionamento das biclas no hall de entrada da pensão (“um quarto fechado e seguro”, segundo a proprietária da pensão!), fomos comer.
---Apesar do adiantado da hora o Gigantones, o Vitokourov, o Litos Compostela e os reformados do apoio foram dar uma pequena volta pela cidade e brindar por mais um dia terminado sem grandes incidentes.